domingo, 28 de novembro de 2010

O PRINCIPE DOS POETAS ALAGOANOS

JORGE DE LIMA


Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares (AL), em 23 de abril de 1893. Filho de José Mateus de Lima, um senhor de engenho, e de Delmina Simões de Mateus de Lima. Cursou parte do primário no município natal, e viria a ser completado no Instituto Alagoano, em Maceió. Transferiu-se para o Colégio Diocesano de Alagoas, onde completou os “preparatórios”. Iniciou, em 1911, a faculdade de Medicina, em Salvador BA, concluindo-a em 1915, no Rio de Janeiro. Ainda em 1915 retorna a Maceió para exercer a medicina. Em 1919, elegeu-se Deputado Estadual pelo Partido Republicano de Alagoas, assumindo a Presidência da Câmara por dois anos. Em 1930, transferiu-se para o Rio de Janeiro por desavenças políticas, e ali na Capital exerceu a clínica médica e foi professor de Literatura Brasileira na Universidade do Brasil. O seu consultório na Cinelândia tornou-se famoso como centro de reunião de intelectuais e amigos. Após a queda do Estado Novo, militou na política, elegendo-se vereador no antigo Distrito Federal, pela UDN. Em 1944, candidatou-se sem êxito à Academia Brasileira de Letras. Em 1952, é fundada a Sociedade Carioca de Escritores (SOCE), da qual foi o primeiro presidente provisório. Faleceu em 15 de novembro de 1953 após longa enfermidade.

Em entrevista ao jornal Folha da Manhã, em 1952, Jorge de Lima disse que acordava às quatro da manhã; que só fazia visitas como médico; ouvia Mompou, Strawinsky, Bach, Mozart, Beethoven; Stendhal era o escritor estrangeiro de sua predileção. Sobre o Brasil, declarou que “É um país semicolonial, com as maiores possibilidades de ser uma verdadeira democracia e o maior país do futuro”.


Para nós, todavia, pelo menos neste momento de nossa própria evolução, é Jorge de Lima o maior, o mais alto, o mais vasto, o mais importante, o mais original dos poetas brasileiros de todos os tempos.
Mario Faustino

Tudo entra no poema de Jorge de Lima concebido na febre que exalta, no sonho que dilata, no transe que confunde. E o passado junta-se ao presente. Memória e invenção, sonho e realidade, história e futuro, infância e ancestralidade confundem-se, como se, em verdade, o poeta formasse com o seu poema uma espécie de caos preparatório de onde surgirá um dia uma ordem ideal.

João Gaspar Simões, da apresentação ao livro Invenção de Orfeu

A partir do instante que ninguém tiver medo de assumir que reconhece e compreende a sua obra, aí Jorge de Lima estará sagrado como o poeta brasileiro que melhor sintetiza as possibilidades de invenção da língua portuguesa em terras brasileiras.
Salomão Sousa

Bibliografia: XIV Alexandrinos, Artes Gráficas, 1914; O Mundo do Menino Impossível, Casa Trigueiros, 1925; Poemas, Casa Trigueiros, 1927; Novos Poemas, Pimenta de Melo & Cia., 1929; Poemas Escolhidos. Andersen Editores, 1932; Tempo e Eternidade, Livraria do Globo, 1935 - em colaboração com Murilo Mendes; A Túnica Inconsútil, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938; Poemas Negros, Revista Acadêmica, 1947; Livro de Sonetos, Livros de Portugal, 1949; Vinte Sonetos, ilustrações do autor, Editor V. P. Brumlik, 1949; Obra Poética, Editora Getulio Costa, - inclui produção anterior, juntamente com Anunciação e Encontro de Mira-Celi, 1950; Invenção de Orfeu, ilustração de Fayga Ostrower; Livros do Brasil, 1952. Constam aqui apenas as primeiras edições de sues livros de poemas, cabendo sinalizar que ele escreveu um livro sobre Castro Alves (Castro Alves — Vidinha), um sobre Anchieta (Anchieta), alguns outros ensaios, e cinco romances (Salomão e as mulheres, O anjo, Calunga, A mulher obscura, e Guerra dentro do beco). Sua obra tem gerado apresentações teatrais e musicais, cabendo destacar o espetáculo O Grande Circo Místico, de Edu Lobo e Chico Buarque de Hollanda, que está registrado em disco.

Página gentilmente organizada por Salomão Sousa.



Jorge de Lima, "Cavalos Alados", 1940

Injustamente, Jorge de Lima anda esquecido, mas venerado por especialistas e leitores mais bem informados. Ana Maria Paulino, em sua obra: JORGE DE LIMA, por Ana Maria Paulino. São Paulo: Edusp, 1995. (Col. Artistas Brasileiros, 1) atribui o fato ao “epíteto de “poeta cristão” a ele dedicado e a qualidade de “poesia religiosa” conferida a seus versos” que teria afastado “deles o leitor dos anos 60. Leitor mais interessado em obras cujo tema abordasse o momento político-social vivido pelo país.” E atualmente? A poesia atual descolou-se de ismos e se enveredou por caminhos heterodoxos, mas Jorge Lima é sempre uma referência para poetas jovens, a notar por sua presença em blogs e revistas eletrônicas.
Como disse o iluminado poeta:
“Como conhecer as coisas senão sendo-as?”

Outra faceta pouco conhecida do poeta é a de artista plástico, que fazia montagens e pintava telas, a exemplo desta imagem a seguir, colhida no supra citado livro de Ana Maria Paulino, exemplar da Col. A.M., cedida pelo bibliófilo Oto Reischneider Dias.


O ACENDEDOR DE LAMPIÕES

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!


CANTIGAS

As cantigas lavam a roupa das lavadeiras.
As cantigas são tão bonitas, que as lavadeiras ficam tão tristes, tão pensativas!

As cantigas tangem os bois dos boiadeiros! ¬
Os bois são morosos, a carga é tão grande!
O caminho é tão comprido que não tem fim.
As cantigas são leves ...
E as cantigas levam os bois, batem a roupa das lavadeiras.

As almas negras pesam tanto, são
Tão sujas como a roupa, tão pesadas como os bois ...
As cantigas são tão boas ...
Lavam as almas dos pecadores!
Lavam as almas dos pecadores!


ALTA NOITE QUANDO ESCREVEIS

À senhora Heitor Usai

Alta noite, quando escreveis um poema qualquer
sem sentirdes o que escreveis,
olhai vossa mão — que vossa mão não vos pertence mais;
olhai como parece uma asa que viesse de longe.
Olhai a luz que de momento a momento
sai entre os seus dedos recurvos.
Olhai a Grande Mão que sobre ela se abate
e a faz deslizar sobre o papel estreito,
com o clamor silencioso da sabedoria,
com a suavidade do Céu
ou com a dureza do Inferno!
Se não credes, tocai com a outra mão inativa
as chagas da Mão que escreve.


XV

A garupa da vaca era palustre e bela,
uma penugem havia em seu queixo formoso;
e na fronte lunada onde ardia uma estrela
pairava um pensamento em constante repouso.

Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela
que do fundo do sonho eu às vezes esposo
e confunde-se à noite à outra imagem daquela
que ama me amamentou e jaz no último pouso.

Escuto-lhe o mugido ? era o meu acalanto,
e seu olhar tão doce inda sinto no meu:
o seio e o ubre natais irrigam-me em seus veios.

Confundo-os nessa ganga informe que é meu canto:
semblante e leite, a vaca e a mulher que me deu
o leite e a suavidade a manar de dois seios.


VINHA BOIANDO O CORPO ADOLESCENTE...

Vinha boiando o corpo adolescente,
belo pastor e sonho perturbado.
Deus abaixou-lhe os cílios alongados
para que ele dormindo flutuasse.

Ressuscita-o, Senhor, essa medusa
de sangue juvenil em rosto impúbere,
desterrado da vida, flor perdida,
irmão gêmeo de Apolo trimagista.

Seca-lhe a espuma que lhe inunda o peito
e as convulsões mortais que o imolaram
às Sodomas ardidas em seu leito.

Anjo adoecido, alheio dançarino
que dançasse em Gomorras incendiadas,
estás cansado; deita-te, menino!


A TRISTEZA ERA TANTA, TANTA A MÁGOA...

A tristeza era tanta, tanta a mágoa
que seu anjo da guarda resolvera
lutar com ele, lutar para lutar,
que o interesse da vida perecera.

Ave e serpente, círculo e pirâmide,
os olhos em fuzil e os doces olhos,
os laços, os vôos livres e as escamas.

Que doida simetria nesses ódios!
Que forças transcendentes aros e ângulos
alguém quis que lutassem nesse dia!

Ave e serpente, círculo e pirâmide:

Que divina constante simetria
nessa luta soturna, nessa liça
em que Deus reconstrói o eterno cisne!


O grande desastre aéreo de ontem
Para Cândido Portinari

Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.


XVIII

Éguas vieram, à tarde, perseguidas,
depositaram bostas sob as vides.
Logo após as borboletas vespertinas,
gordas e veludosas como urtigas

sugar vieram o esterco fumegante.
Se as vísseis, vós diríeis que o composto
das asas e dos restos eram flores.
Porque parecem sexos; nesse instante,

os mais belos centauros do alto empíreo,
pelas pétalas desceram atraídos,
e agora debruçados formam círculos;
depois as beijam como beijam lírios.


XXVII

Há uns eclipses, há; e há outros casos:
de sementes de coisas serem outras,
rochedos esvoaçados por acasos
e acasos serem tudo, coisas todas.

Lãs de faces, madeiras invisíveis,
visão de coitos entre os impossíveis,
folhas brotando de âmagos de bronze,
demônios tristes choros nas bifrontes.

Tudo é veleiro sobre as ondas íris,
condores podem ser os baixos ramos,
montes boiarem, aços se delirem.

Vemos ao longe sombras, e são flâmulas,
lábios sedentos, lírios com ventosas,
ódios gerando flores amorosas.


Essa Negra Fulô

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô

Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!

vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?

— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,

O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô!


VII

Alegria achareis neste poema
como poema ilícito, como um
corpo casual ou vão, como a memória
dura e acídula, como um homem se
conhece respirando, ou como quando
se entristece sem causa ou se doente,
ou se lavando sempre ou comparando-se
às dimensões das coisas relativas;
ou como sente os ombros de seu ser,
transmitidos e opacos, e os avós
responsabilizando-se presentes.

São alegrias rápidas. Lugares,
reencontrados países, becos, passos
sob as chuvas que não vos molharão.


A MÃO ENORME

Dentro da noite, da tempestade,
a nau misteriosa lá vai.
O tempo passa, a maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa lá vai.
Acima dela
que mão é essa maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.


De
INVENÇÃO DE ORFEU

CANTO I

XXVI

Qualquer que seja a chuva desses campos
devermos esperar pelos estios;
e ao chegar os serões de os fiéis enganos
amar os sonhos que restaram frios.

Porém se não surgir o que sonhamos
e os ninhos imortais forma vazios,
há de haver pelo menos por ali
os pássaros que nós identificamos.

Feliz de quem com cânticos se esconde
e julga tê-los em seus próprios bicos,
e ao bico alheio em cânticos responde.

E vendo em torno as mais terríveis cenas,
possa mirar-se as asas despenadas
e contentar-se com as secretas penas.


CANTO III

XVIII

No dia seguinte:
chamados da terra,
o poema de leva,
te dana, te agita,
te vinca de cruzes,
te envolve de nuvens.
Quem sabe aonde vai
parar no outro dia?


CANTO VI

CANTO DA DESAPARIÇÃO

I

Aqui é o fim do mundo, aqui é o fim do mundo
em que até aves vêm cantar para encerrá-lo.
Em cada poço, dorme um cadáver, no fundo,
e nos vastos areais — ossadas de cavalo.

Entre as aves do céu: igual carnificina:
se dormires cansado, à face do deserto,
quando acordares hás de te assustar. Por certo,
corvos te espreitarão sobre cada colina.

E, se entoas teu canto a essa aves (teu canto
que é debaixo dos céus, a mais triste canção),
vem das aves a voz repetindo teu pranto.

E, entre teu angustiado e surpreendido espanto,
tangê-las-ás de ti, de ti mesmo, em que estão
esses corvos fatais. E esses corvos não vão.



DEMOCRACIA

PUNHOS DE REDES embalaram o meu canto
para adoçar o meu país, ó Whitman.
Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus-olhados,
catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,
carumã me alimentou quando eu era criança,
Mãe-negra me contou histórias de bicho,
moleque me ensinou safadezas,
massoca, tapioca, pipoca, tudo comi,
bebi cachaça com caju para limpar-me,
tive maleita, catapora e ínguas,
bicho-de-pé, saudade, poesia;
fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,
dizendo coisas, brincando com as crioulas,
vendo espíritos, abusões, mães-d’água,
conversando com os malucos, conversando sozinho,
emprenhando tudo que encontrava,
abraçando as cobra pelos matos,
me misturando, me sumindo, me acabando,
para salvar a minha alma benzida
e meu corpo pintado de urucu,
tatuando de cruzes, de corações, de mãos-ligadas,
de nomes de amor em todas as línguas de branco, de mouro ou de pagão.


De
ANUNCIAÇÃO E ENCONTRO DE MIRA-CELI
1943

25

O Avô tinha sido um ancião convencional,
que se aterrou de sobrecasaca e polainas;
e a avó – uma menina pálida que morreu ao pari-la;
o pai fez algumas balada;
contam que tinha uma luneta para olhar ao longe.
Daí – a mão dobra a página do livro,
e a história da tetraneta finda com uma estocada no ventre:
há destinos travados, lenços quentes de lágrimas,
Quando a mão dobra a página, á rastros de sangue no soalho.
Esta é a mais nova das cinco.
Veja que os seios são como neve que nós nunca vimos
e ninguém nunca viu o pai que lhe fez um filho;
e o filho desta menina é este moço de luto.
Agora vire a página e olhe o anjo que ele possuiu,
veja esta mantilha sobre este ombro puro,
e estes olhos que parecem contemplar as nuvens
através da luneta avoenga. Veja que sem o fotógrafo querer
as cortinas dão a impressão de caras impressionantes
por detrás da gravura: um estudante de cavanhaque e outro de
[capa.
Repare bem o braço que ninguém sabe de onde
circunda o busto da moça e a quer levar para um lugar esconso.
Fixe bem o olhar com o ouvido à escuta para perceber a respiração grossa,
os gritos, os juramentos . . . A saia negra parece um sino de luto,
e o decote é a nau que a levou para sempre. E este fundo de água
pode ser o mar muito bem; mas pode ser as lágrimas do fotógrafo.



51

ETERNIDADE


ELE REVIU-SE:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.

Como foi isso?
Tudo irreal:
um barco
sem mar
a boiar.

Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
morrendo
numa estrela.

Ele despiu-se
de quê
De tudo
que amara.
Surdo-mudo
cegara.
Agora vê.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ROSALVO ACIOLI JUNIOR E SUA OBRA POETICA


Sonhos Imaginários (Poesia) livro de estréia do poeta Rosalvo Acioli Júnior, com prefácio do poeta e ensaísta Lêdo Ivo, foi lançado pela Global Editora, São Paulo, em 1984, obtendo sucesso nos meios literários nacionais.

Sonhos Imaginários foi indicado ao Prêmio Jabuti de melhor livro de Poesia em 1985, promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), e ao Prêmio Olavo Bilac de melhor livro de Poesia em 1986, promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Rosalvo Acioli Júnior publicou seu segundo livro em 1987 Maceió (Poesia), Editora Senha, Maceió.

A poesia de Rosalvo Acioli Júnior mereceu elogios dos críticos e ensaístas Gilberto Mendonça Teles, Luciana Stegagno Picchio, Reynaldo Bairão, João Manuel Simões, José Paulo Paes e Paulo Rónai, e dos poetas Lêdo Ivo, Márcio Catunda, Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto, entre outros escritores.

Em 1992, Rosalvo Acioli Júnior foi selecionado para a “Antologia da Nova Poesia Brasileira”, organização, seleção, notas e apresentação de Olga Savary, publicado pela Fundação Rio / Rio Arte, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Editora Hipocampo, Rio de Janeiro: 1992.


SEUS POEMAS
Os punhais

Tenho desperto os punhais do amor.
Fazem cicatrizes profundas no corpo amado,
delírio e sina na alma florida
de matizes em intensa dádiva.
O corpo amado é embriaguez divina,
terrena impossibilidade de Deus.


Um instante de amor é subversão à dor.

(Do livro Sonhos Imaginários, Global Editora, São Paulo: 1984)

Poema

Tenho a memória das flores.
De incenso a cálida alma de semens,
mágica transcendência de meus sonhos,
canção dos dias imponderáveis a que alço
como germe a se descobrir nas horas.
Extremas mãos que estendo ao sol.

Tenho a memória das flores
e a missão das sementes.

(Do livro Sonhos Imaginários, Global Editora, São Paulo: 1984)

O templo

Amo todas as mulheres que me possuem como almas.
A alma é sã e exercita a essência da carne.
Desnuda o coração em vértices encantos
e canta a terna proporção da natureza.
Deus não prescindiu dos homens a sabedoria
de seu templo de prazeres e alegrias.
Sábio o que conhece a plenitude do verbo.

(Do livro Sonhos Imaginários, Global Editora, São Paulo: 1984)

Amor a Maceió

Maceió, no nome tupi contida,
do mesmo tapagem do alagadiço,
do engenho a vila estabelecida
na paisagem crescente de viço.

Sou também assim da raiz Maceió,
o seu clarividente equilibrista
nas águas, ventos e luzes em nó,
que a ama e nunca perde de vista.

(Do livro Maceió, Editora Senha, Maceió: 1987)

Jaraguá

Em Jaraguá, sangue e cinzas cingem-se
Em seus velhos casarões de pedra e maresia.
Escorrem os carregadores de açúcar
Ruindo seus olhos na vertigem dos mortos,
Tortos de cana e madrugadas,
Bebendo o cheiro acre das prostituas.

Sob o pão e o vinho do patrão,
Rebentam os carregadores o veio de suas veias
E silenciosos no eclipse de seus rostos
prorrompem para o cais.

Em Jaraguá, arde a eternidade.

(Do livro Maceió, Editora Senha, Maceió: 1987)

A luz e a náusea

Por entre extremos vertem-se meus dias,
e neles, rútilos, o lúcido fio de esperança
transmuda os escombros desta terra selvagem:
província torta, cemitério de mortos-vivos.
Nas frestas da eternidade, escolhidos,
os suicidas, os leprosos, os assassinados,
me sacramentam e esplendem meus olhos,
por mais que em Maceió haja mel e fel
e ruminem os ecos da vertigem dos mortos.

Por Deus, há luz no chão do Universo.

(Do livro Maceió, Editora Senha, Maceió: 1987)

sábado, 26 de junho de 2010

FERNANDO PESSOA


Felicidades

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
Apesar de todos os desafios,
Incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas
E se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si,
Mas ser capaz de encontrar um oásis
No recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “não”.
É ter segurança para receber uma crítica,
Mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou
Construir um castelo ...
Ser feliz é encontrar força no perdão,
esperanças nas batalhas,
segurança no palco do medo,
amor nos desencontros.
É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida".
Toda a poesia
e a canção é uma poesia ajudada
reflecte o que a alma não tem.
Por isso a canção dos povos tristes
é alegre e a canção dos povos alegres é triste.
Ser feliz é deixar de ser vitima dos problemas
e se tornar um autor da propia histórie.
É saber falar de si mesmo.
É não ter medo dos propios sentimento…
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Posso ter defeitos, viver ansioso
e ficar irritado algumas vezes mas
não esqueço de que minha vida é a
maior empresa do mundo, e posso
evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale
a pena viver apesar de todos os
desafios, incompreensões e períodos
de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos
problemas e se tornar um autor
da própria história. É atravessar
desertos fora de si, mas ser capaz de
encontrar um oásis no recôndito da
sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã
pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios
sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma
crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir
um castelo...
Tenho pensamentos que,
se pudesse revelá-los e fazê-los viver,
acrescentariam nova luminosidade às estrelas,
nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.
Não se acostume com o que não o faz feliz,
revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças,
mas não deixe que ele se afogue nelas.
"Liberdade é o espaço que a felicidade precisa..."
"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
"E a minha alma alegra-se com seu sorriso,
um sorriso amplo e humano,
como o aplauso de uma multidão"
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.
Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter.
"Jamais desista de ser feliz,
pois a vida é um espetáculo imperdível,
ainda que se apresentem dezenas de fatores
a demonstrarem o contrário."

Fernando Pessoa.

***

quinta-feira, 8 de abril de 2010

OS PRIMEIROS PRESIDENTES DO BRASIL


Manuel Deodoro da Fonseca

(Cidade de Alagoas, 5 de agosto de 1827Rio de Janeiro, 23 de agosto1892) foi um militar e político brasileiro, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil. de
O Governo Deodoro foi marcado pelo esforço da implantação de um regime republicano e por grande instabilidade política e econômica, devido as tentativas de centralização do poder e oposição por parte de outros setores das Forças Armadas. A crise teve seu ápice no fechamento do Congresso Nacional do Brasil, o que mais tarde acabou levando à renúncia de Deodoro da Fonseca.

Floriano Vieira Peixoto

(Maceió, 30 de abril de 1839Barra Mansa, 29 de junho de 1895) foi um militar e político brasileiro. Primeiro vice-presidente e segundo presidente do Brasil, presidiu o Brasil de 23 de novembro de 1891 a 15 de novembro de 1894, no período da República Velha. Foi denominado "Marechal de Ferro"[1] e "Consolidador da República"
Nascido em Ipioca, distrito da cidade de Maceió (Alagoas) numa família pobre, foi criado pelo padrinho e tio, coronel José Vieira de Araújo Peixoto. Floriano Vieira Peixoto foi matriculado numa escola primária em Maceió (Alagoas) e aos dezesseis anos foi para o Rio de Janeiro, matriculado no Colégio São Pedro de Alcântara.

AURÉLIO BUARQUE HOLANDA FERREIRA


Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, crítico, ensaísta, tradutor, filólogo e lexicógrafo, nasceu em Passo de Camaragibe, AL, em 2 de maio de 1910, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de fevereiro de 1989. Eleito em 4 de maio de 1961 para a Cadeira n. 30, na sucessão de Antônio Austregésilo, foi recebido em 18 de dezembro de 1961, pelo acadêmico Rodrigo Otávio Filho.

Filho de Manuel Hermelindo Ferreira, comerciante, e de Maria Buarque Cavalcanti Ferreira. Passou parte da infância em Porto das Pedras, AL, e estudou as primeiras letras em Maceió. Fez os preparatórios no Liceu Alagoano. Aos 15 anos ingressou no magistério e passou a se interessar pela língua e literatura portuguesas. Diplomou-se em Direito pela Faculdade do Recife, em 1936. Em 1930 fez parte de um grupo de intelectuais que exerceria forte influência literária no Nordeste, entre outros, Valdemar Cavalcanti, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Raul Lima, Rachel de Queiroz. Em 1936 e 1937, foi professor de Português, Literatura e Francês no Colégio Estadual de Alagoas, e em 1937 e 1938, diretor da Biblioteca Municipal de Maceió.

Passou a residir no Rio de Janeiro a partir de 1938. Continuou no magistério, como professor de Português e Literatura Brasileira no Colégio Anglo-Americano em 1939 e 1940; professor de Português no Colégio Pedro II, de 1940 a 1969, e professor de Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro, de 1949 a 1980. Contratado pelo Ministério das Relações Exteriores, exerceu a cátedra de Estudos Brasileiros na Universidade Autônoma do México, de junho de 1954 a dezembro de 1955.

Colaborou na imprensa carioca, escrevendo contos e artigos. Foi secretário da Revista do Brasil (3a fase), quando era seu diretor Otávio Tarquínio de Sousa, de 1939 a 1943. Nessa época, evidenciava-se o escritor, nos contos de Dois mundos, livro publicado em 1942 e premiado em 1944 pela Academia Brasileira de Letras, e no ensaio "Linguagem e estilo de Eça de Queirós", publicado em 1945. Em 1941 começou Aurélio Buarque a atividade que o iria absorver a vida inteira e que, de certa forma, iria suplantar o Aurélio escritor: o Aurélio dicionarista. Foi quando o convidaram a executar, pela primeira vez, um trabalho lexicográfico, como colaborador do Pequeno dicionário da língua portuguesa. Em janeiro de 1945, tomou parte no I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo.

As múltiplas atividades de professor, lexicógrafo e de verdadeiro colaborador nas obras de seus amigos escritores valeram-lhe, desde aquela época, o título de "Mestre". Em 1947, iniciou no Suplemento Literário do Diário de Notícias a seção "O Conto da Semana", que durará até 1960 e, a partir de 1954, terá a colaboração de Paulo Rónai. Essa colaboração entre os dois amigos vinha desde 1941, quando se conheceram na redação da Revista do Brasil, e se concretizou no trabalho conjunto dos cinco volumes da coleção Mar de histórias, antologia do conto mundial, o primeiro deles publicado em 1945.

A partir de 1950 Aurélio Buarque manteve, na revista Seleções do Reader’s Digest, a seção "Enriqueça o seu vocabulário", que em 1958 ele irá reunir e publicar no volume de igual título. Em 1963, tomou parte, em Bucareste, representando a Academia, no Simpósio de Língua, História, Folclore e Arte do Povo Romeno, visitando na mesma ocasião a Bulgária, Iugoslávia, Tchecoslováquia e Grécia. Foi membro da Comissão Nacional do Folclore e da Comissão Machado de Assis.

A preocupação pela língua portuguesa, a paixão pelas palavras levou-o à imensa tarefa de elaborar o seu próprio dicionário, e esse trabalho lexicográfico ocupou-o durante muitos anos. Finalmente, em 1975, saiu o Novo dicionário da língua portuguesa, conhecido por todos como o dicionário Aurélio. Desde a sua publicação, Mestre Aurélio atendeu a muitos convites, no Brasil inteiro, para falar do Dicionário e dos mistérios e sutilezas da língua portuguesa, que ele enriqueceu de tantos brasileirismos, fazendo do brasileiro comum um consulente de dicionário e um usuário consciente do seu idioma. Pronunciou numerosas conferências, sobre assuntos literários e lingüísticos, no México, Estados Unidos, Cuba, Guatemala e Venezuela.

Pertenceu à Associação Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro (1944-49). Era membro da Academia Brasileira de Filologia, do Pen Clube do Brasil, do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, da Academia Alagoana de Letras e da Hispanic Society of America.

Obras: Dois mundos, contos (1942); "Linguagem e estilo de Eça de Queirós", in Livro do centenário de Eça de Queirós (1945); Mar de histórias (Antologia do conto mundial), em colaboração com Paulo Rónai, I vol. (1945); II vol. (1951); III vol. (1958); IV vol. (1963); V vol. (1981); Contos gauchescos e lendas do sul, de Simões Lopes Neto. Edição crítica, com amplo estudo sobre a linguagem e o estilo do autor (1949); O romance brasileiro (de 1752 a 1930), história literária (1952); Roteiro literário do Brasil e de Portugal (Antologia da língua portuguesa), em colaboração com Álvaro Lins (1956); Território lírico, ensaios (1958); Enriqueça o seu vocabulário, filologia (1958); Vocabulário ortográfico brasileiro (1969); O chapéu de meu pai, edição revista e reduzida de Dois mundos (1974); Novo dicionário da língua portuguesa (1975); Minidicionário da língua portuguesa (1977).

Além dos contos que traduziu para a coleção Mar de Histórias, Aurélio Buarque de Holanda traduziu romances de vários autores, os Poemas de amor, de Amaru, e os Pequenos poemas em prosa, de Charles Baudelaire.

Soneto
Amar-te não por gozo da vaidade,
Não movido de orgulho ou de ambição.
Não à procura da felicidade,
Não por divertimento à solidão.
Amar-te não por tua mocidade-
Risos,cores e luzes de verão-
E menos por fugir à ociosidade,
Como exercício para o coração.
Amar-te por amar-te:sem agora,
Sem ontem,sem futuro,sem mesquinha
Esperança de amor sem causa ou rumo
Trazer-te incorporada vida fora
Carne de minha carne,filha minha,
Viver do fogo em que ardo e me consumo.




http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_4122.html

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Poetiza Ana Luiza Amaral



Na poesia de Ana Luísa Amaral há sempre qualquer coisa que se reduz, ou se omite: não apenas pela dominância da elipse, pela qual a linguagem atinge uma contenção quase explosiva, mas, sobretudo, porque os poemas se retraem, muitas vezes, num mundo menor, onde a redução de escala permite o alargamento do mundo. Usando um verso de "Perspectivas", diria que eles "são reduções de luz", concentração
expansiva (…).


De pé sobre o abismo

e não morri:



Canto gregoriano

muito limpo

não me chegou:

o fim

Catedral

sobre o risco,

sobre um azul tão grande

que afundar-me podia

Ao fundo do mais fundo

mergulhei

e não morri:

amei


FINGIMENTOS POÉTICOS



"finge tão completamente"



Faz-me falta a tristeza

para o verso:

falta feroz de amante,

ausência provocando dor maior.



Tristeza genuína, original,

a rebentar entranhas e navios

sem mar.

Tristeza redundando em mais

tristeza, desaguando em métrica

de cor.



Recorro-me a jornal, mas é

em vão. A livros russos (largos

e sombrios).

Em provocado rio de depressão,

nem zepellin: balão

a ervas rente.



Um arrastão sonhando-se

navio.



Só se for o que diz o que

deveras sente.

A sério: o Zepellin.

Mas coração:

combóio cuja corda

se partiu.


MINHA SENHORA DE QUÊ

dona de quê

se na paisagem onde se projectam

pequenas asas deslumbrantes folhas

nem eu me projectei



se os versos apressados

me nascem sempre urgentes:

trabalhos de permeio refeições

doendo a consciência inusitada



dona de mim nem sou

se sintaxes trocadas

o mais das vezes nem minha intenção

se sentidos diversos ocultados

nem do oculto nascem

(poética do Hades quem mdera!)



Dona de nada senhora nem

de mim: imitações de medo

os meus infernos



PRIMEIRA IMAGEM



Numa tarde de sol,

dispôs-se no bordado e a bordar.

É que a luz da varanda era tão forte

que os olhos se detinham,

implodindo.

“Um sonho”, desejara.

E alguém, sorrindo,

Ientamente afastou-se,

monte acima.