sexta-feira, 18 de setembro de 2009

POETA CARLOS LIMA





CARLOS LIMA

José (Carlos do Rego) Lima nasceu no Rio de Janeiro em 1945. Poeta e professor de História da Cultura Brasileira na Universidade Estadual do Rio de Janeiro — UERJ.

Livros: Cantos órficos (1977), Anatomia da melancolia (1982), Poemas esquerdos (1992) e Rimbaud no Brasil (1993) e Terra.


APSARA OU NOITE BRANCA

Pues el viento, el viento gracioso
se extiende como um gato para dejarse definir.
LEZAMA LIMA

Dama do escorpião, Apsara
em teus braços numa noite rara
o demônio delicado dos sofismas
brinca nos espelhos obsidianos
com a fatalidade das tuas mãos finas

Apsara a lógica voluptuosa do escorpião
passeia por tua face múltiplas fúrias
e um veneno sutil se instala nos versos
nessas perigosas noites de outubro
Satã vigia seja noite seja dia
a teoria da rosa e seus mistérios

Apsara filha do fogo dança no alto da chama
enquanto a serpente do meu desejo desliza
no chiaroscuro das cinzas do encantamento
há um esplendor rigoroso nesta luz
um furor sangrento nesta selvagem salsugem dos assombros
Apsara terros naufráfio no presságio azul da madrugada
que se ilumina com a lâmpada da saudade


Estávamos ao norte do crepúsculo
o sol se punha no olho do nosso sonho
e atravessava o chão encharcado pela chuva
Era uma dama entre o cão e o lobo
fumando em sua varanda seus cigarros baratos
um atrás do outro um de cada vez
na soma de todos os dias torturados
Cassandra extática envolta na fumaça
a cada tragada lutando com o luto do futuro
Ela era uma antologia de presságios
que exibia sua angustiante colheita
de penumbras a um furioso vagabundo
ladrão de estrelas que só agora
pode subir até aqui e ofertar
este fardo de obscuridade e inquietudes
Melancolia de Esquerda
0 poder é a pornografia da verdade
é a contravenção da sabedoria
é a legitimação da morte
0 poder faz do homem o pior dos últimos
homens é a mentira e a impotência
diante da beleza é a vilania
da alma a moral da imoralidade
0 poder só legitima os escravos do poder
é selvagem como um onagro cego
é a insensatez e só vê utilidade na sua inutilidade
0 poder é a seiva selvagem da irracionalidade
é a perversão da vida verdadeira
é a cloaca que afoga o mundo
nas suas fezes universais.
A razão da utopia é querer
apenas o poder de não ter poder.