Na poesia de Ana Luísa Amaral há sempre qualquer coisa que se reduz, ou se omite: não apenas pela dominância da elipse, pela qual a linguagem atinge uma contenção quase explosiva, mas, sobretudo, porque os poemas se retraem, muitas vezes, num mundo menor, onde a redução de escala permite o alargamento do mundo. Usando um verso de "Perspectivas", diria que eles "são reduções de luz", concentração
expansiva (…).
De pé sobre o abismo
e não morri:
Canto gregoriano
muito limpo
não me chegou:
o fim
Catedral
sobre o risco,
sobre um azul tão grande
que afundar-me podia
Ao fundo do mais fundo
mergulhei
e não morri:
amei
FINGIMENTOS POÉTICOS
"finge tão completamente"
Faz-me falta a tristeza
para o verso:
falta feroz de amante,
ausência provocando dor maior.
Tristeza genuína, original,
a rebentar entranhas e navios
sem mar.
Tristeza redundando em mais
tristeza, desaguando em métrica
de cor.
Recorro-me a jornal, mas é
em vão. A livros russos (largos
e sombrios).
Em provocado rio de depressão,
nem zepellin: balão
a ervas rente.
Um arrastão sonhando-se
navio.
Só se for o que diz o que
deveras sente.
A sério: o Zepellin.
Mas coração:
combóio cuja corda
se partiu.
MINHA SENHORA DE QUÊ
dona de quê
se na paisagem onde se projectam
pequenas asas deslumbrantes folhas
nem eu me projectei
se os versos apressados
me nascem sempre urgentes:
trabalhos de permeio refeições
doendo a consciência inusitada
dona de mim nem sou
se sintaxes trocadas
o mais das vezes nem minha intenção
se sentidos diversos ocultados
nem do oculto nascem
(poética do Hades quem mdera!)
Dona de nada senhora nem
de mim: imitações de medo
os meus infernos
PRIMEIRA IMAGEM
Numa tarde de sol,
dispôs-se no bordado e a bordar.
É que a luz da varanda era tão forte
que os olhos se detinham,
implodindo.
“Um sonho”, desejara.
E alguém, sorrindo,
Ientamente afastou-se,
monte acima.